segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Natal de 2007: no Brasil comemora-se um nascimento morrendo no trânsito

Luiz Flávio Gomes

Como todos sabemos, também em matéria de trânsito o Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Estamos fazendo “tudo certo” para alcançar mais esse troféu mundial. Mas isso não se consegue da noite para o dia.

Em 2005 foram 19 mortes para cada 100 mil pessoas. Na Argentina foram 30, Estados Unidos 12 e na Europa a média ficou entre 6 e 8. Em 2007 estima-se que as mortes devem aumentar em cerca de 15% em comparação com 2006. Estamos quase chegando na barreira dos 40 mil mortos no trânsito por ano, que é um número equivalente a toda União Européia, que possui várias vezes mais carros em circulação que o Brasil.

No Natal de 2007 tudo saiu conforme estava programado: nas estradas federais, o aumento do número de mortes foi de 117,7% (90 em 2006 e 196 em 2007). Nas estradas estaduais paulistas o aumento foi de 30 para 44 mortes ( Folha de S. Paulo , 27/12/07, p. C5).

Esse incremento impressionante (mas absolutamente previsível) se deve a uma série enorme de fatores: crescimento da economia (quase 5%), 2,415 milhões de carros novos vendidos no Brasil em 2007 (totalizando agora quase 50 milhões de veículos), crise aérea, etc.

A imprudência, no entanto, como sempre, é o principal deles. O motorista médio brasileiro, em geral, tem absoluta “consciência” do esforço brasileiro pela conquista do título mundial de país mais violento e corrupto do mundo. A imprudência, por isso mesmo, está presente em 70% dos acidentes. Mas não vem sozinha: ela combina com o álcool (40% desses casos), o excesso de velocidade e a ausência quase absoluta de fiscalização e punição.

Introjetamos e vivemos a cultura da velocidade. Aliás, nos dias atuais impuseram a regra de que tudo tem que ser fast (rápido, veloz). As pessoas já não têm tempo nem sequer para namorar: elas “ficam”. Em cada noite são dezenas de “ficantes” que passam pelo “box” de cada pessoa. Um mais efêmero que o outro. Eles chegam na mesma velocidade com que saem.

Mas é o automóvel e a internet que, provavelmente, mais expressam e estimulam nossa paixão pela velocidade. O movimento mundial pela desaceleração do tempo (“Devagar”, de Carl Honoré, São Paulo-Rio de Janeiro, Record, 2007) neles vem encontrando grandes obstáculos.

A velocidade “é a forma mais comum de desobediência civil”, ou de liberdade. Para assegurá-la o sujeito coloca anti-radar no carro, quebra câmeras instaladas nas estradas, etc.

Sabemos que, só no Brasil, mais de 100 pessoas por dia morrem no trânsito. Gastamos bilhões de reais por ano nesses acidentes. Ainda assim, continuamos venerando a velocidade, o exibicionismo. Nosso negócio é sempre estar na frente, estar em evidência, chegar mais rápido (ainda que isso represente uma economia de pouquíssimos minutos na viagem).

Uma direção veloz, especialmente na disputa de um “racha”, é muito “divertida”, “injeta adrenalina”. Você, nos dias do Natal, seguramente, deve também ter visto muito mais coisas do que eu vi: um rapaz com uma lata de cerveja na mão que ingressou num posto a toda velocidade, tendo dado um tremendo susto em todos no momento em que freou o veículo a poucos centímetros de uma bomba de gasolina. Saiu, depois, claro, “cantando” os pneus. Um absurdo!

Indo para o mar, entre Bertioga e Riviera, havia um grande congestionamento: vários motoristas, impacientes, passaram a utilizar o acostamento para ultrapassar os “idiotas” que se achavam quase parados. É evidente que tudo isso nos permite prognosticar muito mais mortes no trânsito.

Apesar de tudo, nosso amor pelo carro é incrível. Aliás, na paisagem urbana ele ainda conta com absoluta primazia. Nas nossas casas eles é que ficam expostos em primeiro lugar. Muitas pessoas julgam as outras pelos seus carros. O carro é exageradamente mimado. Quem viu a peça “Não sou feliz, mas tenho marido” sabe bem a dimensão dessa idolatria.

As garagens, nas sociedades que não cultuam o veículo como se fosse um “Deus”, ficam nos fundos das casas. Não se trata, evidentemente, de abominar ou amaldiçoar o carro. Nada disso. Sabemos que hoje já não é possível desenvolver bem nosso dia-a-dia sem ele.

Georges Pompidou, ex-presidente da França, um dia sentenciou: “Precisamos adaptar a cidade ao carro, e não o contrário”. Na atualidade deveríamos fazer exatamente o contrário. Os seres humanos deveriam vir em primeiro lugar. Muitos países já adotaram essa lógica. Diminuíram drasticamente o número de mortes no trânsito. Mas essa não é a lógica do Brasil, que persegue, a todo custo, o título mundial acima anunciado.

A guerra que deveríamos então decretar é esta: contra a velocidade e pelo enquadramento do carro em um estilo de vida saudável, menos acelerado. O ser humano quer fazer tudo aceleradamente, mas se esquece que estamos enterrando, anualmente, só no Brasil, uma cidade de 40 mil habitantes.

A teoria que é defendida nos países civilizados, e que eu estou denominando “ECEFE”, tornou-se atual mais do que nunca. O problema do trânsito nos países avançados passa pela Educação, Conscientização, Engenharia, Fiscalização e “Enforcement” (punição, castigo, sanção). A cultura da velocidade tem tudo a ver com nossa globalizada educação. A guerra contra a velocidade faz parte da nossa conscientização.

O correto seria pôr freio na endêmica carnificina brasileira gerada pelo trânsito. Mas fazemos tudo ao contrário. Deveríamos lançar um movimento nacional, desenvolver uma política de redução de acidentes, propugnar por reformas legislativas nessa matéria, sobretudo quando o sujeito causa um acidente sob efeito do álcool. Mas não é nada disso que vai acontecer.

A tragédia automobilística brasileira também vai se transformar em bandeira populista nas mãos de alguns políticos pouco comprometidos com a construção de uma nação que possa ser qualificada de saudável. Vão aprovar um ou outro remendo às leis atuais e pronto! Afinal, uma política nacional séria em torno do assunto tiraria o Brasil do seu atraso (Caio Prado Júnior) e poderia atrapalhar o seu afã de ser o máximo em violência e corrupção.

Terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Fonte: Uol Notícias

http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/46052.shtml